sexta-feira, 20 de novembro de 2009

GOVERNO DE UNIDADE NACIONAL: UM NOVO MODELO DE DEMOCRACIA EM AFRICA

Um estudo sobre da Situação do Quénia, Zimbabwe e Mauritânia


Por: Delfina Dança - Técnica Superior de Relações Internacionais

Que forma de Governo temos em África?
Esta questão surge da constatação, nos últimos anos, de que a forma de Governo adoptada pelos Estados Africanos – Governo Democrático – não tem sido eficaz.

A Democracia é definida como um regime de governo onde o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos (povo), directa ou indirectamente, por meio de representantes eleitos – forma mais usual. Uma democracia pode existir num sistema presidencialista ou parlamentarista, republicano ou monárquico.

Etmologicamente, Democracia vem da palavra grega "demos" que significa povo. Nas democracias, é o povo quem detém o poder soberano sobre o poder legislativo e o executivo.

Embora existam pequenas diferenças nas várias democracias, certos princípios e práticas distinguem o governo democrático de outras formas de governo. Os democráticos revestem-se de um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana; é a institucionalização da liberdade.

A democracia baseia-se nos princípios do governo da maioria associados aos direitos individuais e das minorias. Todas as democracias, embora respeitem a vontade da maioria, protegem escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias. Porem, na maioria dos Estados africanos não tem havido respeito pelos princípios democráticos. Os países em analise (Quénia, Zimbabwe, e recentemente, a Mauritânia ) são exemplos claros da violação dos princípios democráticos em África .

No caso do Quénia, os observadores da União Europeia afirmaram, em declaração, que “as eleições gerais de 2007 não atingiram os padrões-chave internacionais para eleições democráticas”. Igualmente, a União Europeia expressou suas dúvidas sobre a legitimidade dos resultados das eleições quenianas, cujo anúncio foi atrasado durante vários dias para, no final, proclamar a vitória do Partido de União Nacional (PNU), do presidente Mwai Kibaki.
O opositor Movimento Democrático Laranja (ODM), de Raila Odinga, não reconheceu a vitória de Kibaki. Ambos os lados se acusaram de fraudes durante o pleito, realizado no dia 27. Após o anúncio de que o presidente Kibaki foi reeleito, o pais enfrentou uma crise política e distúrbios étnicos desatando numa onda de violência que deixou mais de 300 mortos e levou cerca de 100 mil pessoas a deixar suas casas. A Suprema Corte do Quénia anulou a eleição por considerá-la irregular, levando a uma nova votação. Mas a maioria de seus membros foi apontada por Kibaki.

No Zimbabwe a situação foi ainda mais critica, após as eleições de 29 de Março de 2008, que deram vitoria a Morgan Tsvangirai, com pouco menos de 48% dos votos , o partido no poder (liderado por Robert Mogabe), inconformado com os resultados, cerca de 43% dos votos, exigiu uma 2ª volta. Nestas eleições, realizadas a 27 de Junho do mesmo ano, Mugabe concorreu sozinho e obteve o tão esperado resultado que lhe garantiu a vitoria, tendo antecipadamente tomado posse.

O caso do Zimbabwe foi considerado como tendo pulverizando o sentido de democracia e o direito à liberdade de escolha do povo oprimido do Zimbabwe.O clima de violência instigado pelos generais de Mugabe atingiu o extremo, com o candidato presidencial Tsvangirai a ter que solicitar refúgio na embaixada da Holanda. Muitas pessoas, entre elas, apoiantes do MDC e Tsvangirai, foram mortas, presas, e outras foram dadas como refugiadas nos países vizinhos.

Nos discursos de Mugabe era comum ouvir-se que ele chegou ao poder pela força das armas e que não eram simples pedaços de papel com um x rabiscado a caneta que mudariam isso. Nisto deixava claro a sua intenção de intimidar seus adversários e prometer, sem meias palavras, ignorar a vitória da oposição.

Tsvangirai chegou a ser preso quatro vezes durante a campanha e seu braço direito, Tendai Biti, foi ameaçado de um processo de traição, que podia levar à pena de morte. As eleições foram marcadas pela ausência de observadores e de jornalistas para acompanhar o processo.

Na Mauritânia, caso ainda a decorrer, os três partidos políticos, nomeadamente, a Frente Nacional para a Defesa da Democracia (FNDD), a Coligação das Forças Democráticas (RFD) e a maioria parlamentar que apoia o general Mohamed Ould Abdelaziz tiveram que assinar um acordo que prevê a instauração de um Governo Transitório de União Nacional (GTUN), com vista a por termo a crise instaurada no pais desde Abril último, após a demissão de Abdelaziz do cargo de presidente da República. O GTUN foi igualmente encarregue de organizar as eleições presidenciais, previstas para 18 de Julho próximo.

O facto é que nos três casos a solução encontrada para se voltar a normalidade, depois da crise política causada antes e depois das eleições, foi a criação de um Governo de Unidade Nacional (GUN).

O GUN consiste na partilha de poder entre as partes conflituantes (Governo no poder e a oposição), geralmente é proposto pela comunidade internacional (ONU, UA, SADC, EUA e outros com capacidade de influencia) através do envio de um “missão especial” para arbitrar a situação de conflito entre os partidos políticos em disputa e conduzi-los a um acordo sobre a partilha do poder.

No caso do Quénia, foi o Arcebispo sul-africano e Prémio Nobel da Paz de 1984, Desmond Tutu, que procurou mediar uma solução para a crise tendo encontrado a solução na criação de um GUN que acomodasse as exigências de ambas as partes.

Para o Zimbabwe foi enviado o ex-presidente Sul-Africano, Thabu Mbeki, e para a Mauritânia, o Grupo de Contacto Internacional sobre a Mauritânia, que esta neste momento a trabalhar para tentar levar o pais a um processo de “eleições livres, transparentes e justas”.

Nisto questiona-se se existirá realmente democracia em África? O modelo democrático foi imposto pelos europeus, que após ter se concluído que era a melhor forma de Governo (para os países europeus) decidiram implantar em África, uma espécie de Plano Marshall, só que neste caso, em vez de recuperação económica como aconteceu na Europa, em 1945, tinha fins ideológicos.

A implantação de Governos Democráticos foi um dos condicionalismos impostos pelos países europeus para prestarem assistência ao desenvolvimento aos países em vias de desenvolvimento. Nessa época (de 1945 aos anos 80), o Sistema Internacional era marcado pela Guerra fria e os Estados africanos tinham que optar ou pelo Sistema Capitalista (regime democrático) ou pelo Sistema Socialista (regime comunista). Visto estarem a sair de uma situação de Guerras de libertação face ao regime colonial, em alguns casos, e, face as guerras civis internas, noutros, e onde a recuperação económica, a restruturação social e reconstrução de infra-estruturas devastadas pelas guerras constituíam prioridade nacional dos governos africanos, qualquer ajuda, ainda que condicionada, era bem vinda.

Hoje, passadas varias décadas após a implantação do regime democrático em África, alguns Estados Africanos parecem não estar a saber lidar com o regime ora adoptado. Os acontecimentos dos últimos anos mostram que a democracia só é valida quando beneficia o partido no poder, ou ao interesse de quem tem ambição pelo poder. Ela deixou de ser o poder do povo, como concebido no passado pelos gregos.

Nos Estados que se auto-intitulavam democráticos, a ascensão ao poder passou a ser via Golpe de Estado (exs: Madagáscar, Mauritânia, Guiné-Bissau, etc.). Noutros, a democracia é assumida do seguinte modo: “sou democrático enquanto o poder me for favorável, qualquer ameaça ao meu poder, deixo de sê-lo e torno-me ditador” ( exs: Quénia, Zimbabwe, etc). Esta situação vem a confirmar as palavras de Aristóteles, segundo as quais, “a democracia decaída, se transfaz em demagogia, governo das multidões rudes, ignatas e despóticas”.

Contudo, questiona-se sobre o que acontecerá a países como Moçambique, África do Sul e Angola, cujos partidos (FRELIMO, ANC, MPLA, respectivamente), estão a longos anos no poder? Como poderão reagir em caso de ameaça ou perda desse poder? Serão estes Estados democráticos como se intitulam? Só o tempo o dirá...

Talvez seja o caso de os Estados Africanos repensarem num novo modelo de democracia, que tenha mais a ver com a realidade africana. O mais provável seria o que acomodasse os interesses do partido no poder e os do partido da oposição — o Governo de Unidade Nacional.

Fontes consultadas:
1. Gerhard Erich Boehme (http://br.groups.yahoo.com/group/politica-br/message/44938
2. http://foreverpemba.blogspot.com/2008/06/o-zimbabu-eleies-e-truculncia-do.html


Maputo, Novembro de 2009